quarta-feira, dezembro 22, 2004

Trabalho apresentado a disciplina "Redação em Língua Portuguesa II" da Facom/UFJF.
Vinicius

Caro vizinho,

Tomei a liberdade de colocar esta carta dentro do seu jornal. Quem sabe o senhor chegue na parte de Esportes, logo ao lado da notícia sobre o Vasco e encontre esta breve missiva. Aliás, essa é uma das coisas que sei sobre o senhor. Sua paixão por esse time é, talvez, conhecida do outro lado do atlântico, pela altura que o senhor executa o hino, religiosamente às 7 horas da manhã. Por falar em jornal, havia ali uma notícia sobre barulho na qual eu fiz questão de passar um marca texto amarelo. Espero que o senhor não se incomode.

Se, pois, esse pedaço de papel chegar até suas mãos, e mais, se o senhor se dignar a lê-lo, por favor, chegue ao fim. Nesse espírito natalino que nos ronda – pelo menos deveria -, apelo ao senhor mais uma vez: não desça, vestido de bom velhinho, de rapel pela frente do prédio, como no último ano. Isso me custou algumas dezenas de reais na troca do vidro da sala, e mais de hora varrendo os cacos. Que o papai Noel desça de elevador, como todos os outros mortais. Ele não está mais na flor da idade.

Sei que é o seu trabalho, e que aquilo era um treino para outra apresentação, mas os presentes podem chegar pala lareira – ou pela porta, já que não estamos na Europa. Ah, e não cisme de me fazer feliz como no natal de 96, quando trouxe bolas de soprar cheias de confete aqui pra porta de casa, e entoou “Noite Feliz” com alguns amigos. Não vai me convencer novamente a ir cear em seu apartamento. A comida estava péssima e seu cachorro é insuportável.

Amigos, amigos; vizinhos à parte. Já diz o velho ditado. E pra piorar, o xixi do seu cãozinho – ao qual, não sei a causa, o senhor deu o meu nome – manchou minha (ex-)blusa preferida. Por que motivo o senhor foi insistir: “pega ele no colo, pega, ele não faz nada”. Nada além de xixi em mim.

Se parasse por aí ainda não seria tão ruim. Mas além da comida (péssima), do cachorro (fedorento), da música “Noite Feliz” (desafinada e brega, convenhamos), o senhor ainda foi arrumar filhos. O mais novo ficava me dando socos, e o de dez anos fazendo caretas.

Mas é com extremo carinho que peço a vocês um pouquinho de paz no Natal. Vocês sabem que não tenho nada contra essa família tão linda.

E é nesse clima festivo que termino a carta. Me perdoe se a letra é tremida, mas foi a idade. A genética me fez envelhecer muito rápido. Quem diria que tenho somente quarenta anos!

Do vizinho de baixo,
Boas festas,
Severino

sábado, novembro 27, 2004

O tempo II... (Pág. 2)

Buzinas sequenciais a tiraram desse estado letárgico. O sinal abrira. Marta retomou o caminho para a casa de sua mãe, que na verdade preferiria não estar fazendo. Noites de natal nunca mais foram as mesmas. Tudo naquele dia lembrava sua pequena Sofia. Gostava de imaginar que ela não tivesse sofrido, o que os médicos lhe disseram que até era possível.
Parou o carro na frente da casa de seus pais e desceu rapidamente do carro. Tentando se proteger da chuva com o casaco que usava, alçado à função de capa, chegou até a varanda da casa de sua infância. Após batidas frenéticas à porta, percebeu que não devia haver ninguém em casa. Sentou-se na cadeira de balanço, encolheu-se em si mesma, fechou os olhos e ficou esperando.
Acordou subtamente com uma caravana de carros buzinando que passou pela rua, seguido de um trenzinho repleto de crianças. Como odiava o natal! A chuva tinha passado. Levantou-se e foi para os fundos, onde a porta costumava ficar aberta. Trin, trin... Era o barulho do sino colocado à beirada da porta, que soava sempre que esta se abria. Era o barulho de sua infância. Quando corria de uma casa à outra de sua vizinhança, e entrava correndo na cozinha ao ouvir sua mãe a chamando para comer o bolo das 4 horas.
Do nada ouviu um barulho vindo da sala.
Pai? Gritou Marta. Mãe? Quem está aí?
Sorrateiramente caminhou para a porta que dava pra sala e ouviu novamente o barulho.
Vinha do alto da escada. Era alguém.